domingo, 22 de março de 2015

Crescer para desistir

Seremos fortes, Pai
(21/03/15) 

Às vezes, eu lhe invoco
Preciso sentir que somos um
E, diariamente, você me convoca
Percebo Tuas investidas
Sorrio e tento corresponder
E Tua luz me perpassa
Alimentando-me
Você flui alegremente
E a plenitude passa a ser
Por algum tempo
Enquanto consigo desfazer de mim
Enquanto deixo de ter desejos
Enquanto sou uma folha em branco
Sinto sua invasão,
Às vezes, permito
E, às vezes, não
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“O otimista, como costuma dizer meu irmão Gerson, erra tanto quanto o pessimista, mas não sofre por antecipação. E é preciso admitir que comecei a ter realmente sorte quando passei a abrir mão do que eu queria...Não sei se foi Confúcio que disse: ‘Há várias maneiras de conseguir alguma coisa que se deseja e uma é desistir dela’. Consigo tudo que quero, desde que no fundo esteja pronto a admitir não querer mais. ‘Quando a gente se obstina em conseguir alguma coisa com muita intensidade, é preciso cuidado, porque pode acabar conseguindo’. Isso não é meu, é de algum santo da minha devoção”. (p.75)

SABINO, Fernando. O tabuleiro de damas. Rio de Janeiro: Record, 1989. 

sábado, 21 de março de 2015

Bambu amado

Era uma vez um maravilhoso jardim, situado bem no centro de um grande campo. O dono costumava passear pelo jardim, ao clarão do luar, à noite... Um belo bambu era para ele a mais bela e estimada de todas as árvores do seu jardim. 

Ao seu olhar carinhoso, esse bambu crescia e se tornava cada vez mais formoso. Ele sabia que seu senhor o amava e que ele era sua alegria. Um dia, o dono, pensativo, aproximou-se do seu amado bambu e, num gesto de profunda veneração, o bambu inclinou sua cabeça imponente... 

O senhor disse a ele: 
– Querido bambu, eu preciso de você. 
O bambu estava feliz, parecia ter chegado a grande hora de sua vida. Ele respondeu: 
– Meu senhor, estou pronto, faze de mim o que quiseres! 
– Bambu! – a voz do senhor era grave – Bambu, só poderei usá-lo, se eu o podar. 
– Podar? A mim, senhor?! Por favor, não faças isso! Preserve a minha bela figura. Tu vês como todos me admiram, me elogiam! 
– Meu bambu amado – a voz do senhor tornou-se ainda mais grave – não importa que o papariquem ou não... seu não o podar não poderei usá-lo... 
No jardim tudo ficou silencioso. O vento segurou a respiração. Finalmente o lindo bambu se inclinou e sussurrou: 

– Senhor, se não podes usar sem podar-me... então, faze comigo o que quiseres! 
– Meu querido bambu – tornou o senhor – devo também cortar as suas folhas!
– Oh, senhor, se me amas, preserva-me de tal mal!! Podes destruir minha beleza, mas, por favor, deixa as minhas folhas! 
– Não o posso usar se não arrancar-lhe as folhas. 
A lua e as estrelas, confusas, escondem-se atrás das nuvens... Algumas borboletas e pássaros, que por ali brincavam, afastaram-se assustados. O bambu, meio trêmulo, à meia voz, disse:
– Senhor, corta-as! 
Mas o senhor disse: 

– Ainda não basta meu querido bambu. Devo cortá-lo pelo meio e tomar também seu coração. Se não fizer isso não poderá ser-me útil. 
– Por favor, Senhor – disse o bambu – eu não poderei mais viver... Como viver sem o coração? 
– Devo tirar seu coração, caso contrário não me serás útil. 
Então o bambu inclinou-se até o chão e disse: 
– Corta-me e divide-me se assim o desejares! 

O senhor desfolhou o bambu... decepou os seus galhos... partiu-o em duas partes...tirou-lhe o coração. Depois, levou-o para o meio do campo ressequido, a uma fonte onde jorrava água fresca. Lá o senhor deitou cuidadosamente o seu querido bambu no chão. Ligou uma das extremidades do tronco decepado à fonte e a outra ele levou para o campo. E a fonte cantou as boas vindas. 

As águas cristalinas precipitaram-se alegres pelo corpo dilacerado do bambu, correram sobre os campos tórridos e áridos, que por elas tanto tinham suplicado... Ali plantou-se o trigo, o arroz, o milho, rosas... e outras flores das mais variadas espécies e cores. 
Os dias passaram, a sementeira brotou, cresceu e veio o tempo da colheita... farta e abundante; assim, o maravilhoso e esbelto bambu, no seu aniquilamento e humildade, transformou-se numa benção especial. 

Quando ele era belo e jovem, crescia somente para si e se alegrava com sua própria formosura. Agora, no seu despojamento, ele se tornou o canal do qual o senhor se serviu para tornar fecundas as suas terras... e muitos, muitos passaram a viver do pródigo tronco do bambu amado.
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Já faz um certo tempo que ouvi esse ensinamento do bambu. Lembro que tinha meus olhos fechados e, à medida que o texto avançava, eu me tornava o bambu. Ao final, chorei...copiosamente. Eu queria ser, mas ainda estava longe de assumir esse lugar. Ainda é difícil, mas já sou outra, lutando para não resistir.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Abramos os olhos

Who are you?
I am trying to be awaken like a rose.


domingo, 1 de março de 2015

A fada, o ogro e a sereia

Demorei a pegar o ritmo do “As cidades invisíveis”, mas depois de entrar na sua sintonia, que grandeza! Confesso que, em dados textos, eu sabia ter um tesouro escondido, mas não conseguia encontrar...é preciso viver mais!

“– O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.” (p. 150) 

CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990
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Éramos três: a fada, o ogro e a sereia; e por alguns minutos, habitávamos a mesma clareira. O ogro encostado a uma árvore, a fada pousada em uma folha e a sereia com seu torso exposto e sua cauda imersa no rio que passava. O clima era tenso. Um silêncio pesado. Tanto o ogro quanto a sereia se desconheciam e não aparentavam boa vontade para iniciar uma amizade. A pequena fada, travessa, segurava o riso: o ogro fazia caretas inconscientemente. Por que era tão difícil as espécies conviverem harmoniosamente?